quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Encontro inesperado

Já passa da meia-noite. Ele desce do ônibus. A cidade está dormindo. O silencio impera. A escuridão da noite se choca com as luzes dos postes. No céu a Lua brilha majestosa. As nuvens estão dispersas e as estrelas cintilam entre elas. Mais algumas quadras ele estará em casa, depois de mais um dia cansativo de trabalho. Um ruído. Um cachorro aparece. Eles se olham nos olhos, homem e a animal. O cão uiva. O homem também uiva e depois ri disso.
- Que maluquice! – diz para si mesmo.
- Ora, maluquice porque? – pergunta uma voz.
Ele olha para trás e vê sentado em um muro um homem de jeans rasgados, botas negras, um colete de jeans também rasgado, uma camisa negra por baixo do colete, uma bandana negra entre os cabelos crespos, barba por fazer e olhos cintilantes. Ele fica de pé em cima do muro e então pula para o chão.
- Maluquice porque? – pergunta novamente.
- Sei lá...eu só...
- Quer correr?
- O que?! – ele diz espantado.
- Quer correr, eu e você, até o fim da rua, topa?
- Sei lá...eu...quem é você?
- Que interessa agora? Quer correr ou não?
- Ta...tudo bem! – ele aceita não acreditando muito no que acabou de dizer.
- Então vamos!!!
Eles correm, correm com todas as forças, sentem um prazer em correr, uma sensação de liberdade, um alegria, uma emoção tão intensa, que vem do fundo do peito, quase acreditam que podem voar.
- Foi divertido, não? – o estranho pergunta, agachado, recuperando fôlego.
- Foi!...Foi!...Foi ótimo! – ele diz rindo – Mas to cansado e eu preciso...
- Vamos de novo?
- O que?! Não...Não...Não mesmo!
- Ora homem! Por que não? Vamos!
- Tudo bem...mais uma vez! – ele suspira.
Correm novamente rua abaixo, pulando latas de lixo, passando entre as árvores, por cima de cercas e entre as ruas desertas, a mesma sensação preenche seus corpos.
- Cara, essa foi ainda melhor!
- Sim...muito bom...- diz ele cansado e rindo.
- Olhe os cães!
- Sim, começaram a uivar...o que tem de mais nisso?
- Vamos também!
- Você ta brincando né?
O estranho uiva e os cães o acompanham.
- Tudo bem...
Ele uiva também. Todos começam a uivar para a lua, como uma única voz, um único uivo. Os cães, ele, o estranho. Eles abrem os braços e sentem o vento frio da madrugada.
- Puxa, isso é legal...mas eu preciso...
- Vamos naquela árvore!
- Para que?
- Vamos subir nela!
Eles começam a subir uma frondosa árvore. Pulando entre os galhos, se esgueirando entre as folhagens e olhando para o céu.
- Nossa, a vista daqui de cima é ótima!
- Uma beleza,não é mesmo? Veja...dá pra ver a cidade toda!
- Sim...nossa, eu não fazia idéia disso!
Os dois uivam novamente para a lua e riem.
- Agora pule. – diz o estranho.
- O que? Daqui?
- Sim, ande, pule!
- Não!
- Não vai se machucar, vamos, pule!
Ele pula e o outro o acompanha.
Depois vão andando até a casa dele, afinal já era muito tarde e faltava menos de meia quadra até lá.
- Pois é...essa é minha casa! – diz ele na frente do portão.
- Então ta, adeus!
- Espere!
- Sim? – ele pergunta de costas.
- Obrigado, mas...como é seu nome?
O estranho continua andando indo em direção as sombras e diz:
- Instinto, meu amigo...Instinto!



Fernando Locke

2 comentários:

Renato Ziggy disse...

Fernando, realmente, esse foi o melhor de todos! É tão bom chutar o balde às vezes e seguir o próprio instinto, sem se ater a auto-críticas. Cara, cada detalhe, cade imagem, cada palavra e um final surpreendente... belo! Você curte um elemento surpresa e isso dá vida à sua obra. Amei!

Ana Leite disse...

Este foi o primeiro que li, estava pesquisando no Google algo sobre o uivo dos cães e acabei aqui na sua página.
Me identifiquei totalmente com "Encontro inesperado", não digo que sigo sempre meus instintos, mas sempre dou grande atenção a eles.